31 outubro 2006

Protestar sem rédeas

É muito bonito podermos lutar pelos nossos direitos, protestarmos quando achamos que algo não está bem, fazermos valer os nossos ideais e valores. Mas lá por vivermos em democracia e liberdade (nós portugueses pelo menos podemos gabar-nos disso) não quer dizer que possamos passar por cima de tudo e de todos. Já diz o ditado que “as regras foram feitas para serem quebradas”, mas existem certas regras que deveriam ser intocáveis. Como a do respeito pelo próximo.
A cidade de Marselha acordou, ontem, novamente em sobressalto com o ataque a um autocarro, perpetrado por jovens franceses de origem estrangeira. Este incidente surge um ano após os graves confrontos, denominados de “revolta dos subúrbios”, que resultou na destruição de 294 edifícios e milhares de veículos. Há um ano atrás estes ataques desenfreados atingiram apenas edifícios e automóveis, mas o incidente de sábado quase vitimou uma jovem, de origem senegalesa, que não teve tempo de fugir do autocarro em chamas. Estes ataques estão a ser levados a cabo por jovens, que já tendo nascido em solo francês, têm origem estrangeira, e dizem-se vítimas de discriminação. Então, resolveram despejar toda a sua raiva, não em protestos contra o governo, que será o responsável pela elevada taxa de desemprego (a qual apregoam aos quatro ventos), mas sim contra pessoas. Neste caso, uma jovem (que se encontra entre a vida e a morte), uma ‘irmã’, poderia dizer-se, já que também é uma francesa de origem estrangeira.
Para mim, a discriminação é uma questão ambígua, uma faca de dois gumes, que fere mais os alegados discriminadores que os discriminados. Apenas porque, muitas das vezes, a discriminação parte destes últimos. É-o em França, com a evidente busca de protagonismo destes jovens, e é-o em qualquer outra parte do mundo onde haja preconceito seja ele racial ou de qualquer outro tipo. Preconceito muitas vezes preconizado por aqueles que se dizem discriminados.
Agora, o que não podemos fazer é disparar em todos os sentidos, e ficar à espera que os problemas se resolvam somente através da força. Infelizmente, ainda há muito boa gente que pensa assim.

28 outubro 2006

Andamos nós a lutar há anos…

Sem querer ser feminista, há coisas que me deixam deveras irritada. Hoje em dia, todos comemoramos o Dia da Mulher (que sinceramente acho desnecessário de assinalar) por uma boa causa: a luta das operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque, que em 1857 morreram queimadas quando reivindicavam a redução de um horário de mais de 16 horas por dia para 10 horas. A partir daí, a mulher foi ganhando, a pouco e pouco, o seu lugar na sociedade. Conseguiu o direito ao voto, (quase) igualdade de salários, lugares de chefia e acesso a profissões, que supostamente deveriam ser apenas desempenhadas por homens.
Mas eis que surge a notícia (nada de espantar vinda de onde veio) de que os chineses iriam criar (deverá ser inaugurada daqui a três meses) a “cidade só para elas”. De acordo com o jornal “Macau Hoje”, a “primeira cidade feminina do país” (o que quer dizer que não se vão ficar por aqui?), surgiu da cabeça de um senhor chamado Li Jigang, director do Gabinete de Turismo do distrito de Shuangqiao, quando “tentava conquistar a sua actual mulher, e à qual prometeu, então, obedecer durante toda a sua vida”. Nesta cidade, e ainda segundo o mesmo jornal os homens terão que “obedecer às suas esposas, namoradas ou mães, sem discutir, sob pena de serem multados pela administração local”. E mais. De acordo com Li Jigang, esta cidade feminina “irá reforçar na sociedade os direitos das mulheres”.
Ora, se há anos que nos debatemos pelos nossos direitos, tendo já alcançado algumas vitórias, não era suposto tudo isto acontecer sem ser preciso ser aplicadas “multas” aos homens que não obedeçam às mulheres?
Não queremos a igualdade na acepção da palavra, porque irão sempre existir diferenças. A igualdade pela qual todas as mulheres se debatem tem mais a ver com o respeito pelo seu papel na sociedade. Não precisamos de dias dedicados a nós porque, isso sim é discriminação. Não precisamos de cidades femininas porque aí serão precisas de ser impostas regras aos homens para respeitar as mulheres. E isto não é, com toda a certeza, a definição de igualdade de direitos.

27 outubro 2006

O novo Muro de Berlim

Parece que os Estados Unidos estão sempre apostados em inovar. 17 anos após a queda do Muro de Berlim (curiosamente na altura em que George Bush acabava de se eleger presidente dos EUA) George W. Bush teve uma ideia brilhante para reavivar as memórias da Guerra Fria. Bem diferente do Muro de Berlim, é certo, o presidente dos Estados Unidos aprovou uma lei para a construção de uma cerca de 1.126 quilómetros ao longo da fronteira do país com o México. Diz a Reuters que tal medida teve a ver com interesses políticos (como habitualmente), sempre disfarçados (à boa maneira americana) com enredos mais ou menos (i)morais tendo como pretexto o impedimento da imigração ilegal.
Esta é, deveras, uma questão importante nos Estados Unidos ou em qualquer outro ponto do mundo. Travar as redes (aqui também se pode aplicar o termo de terroristas, na sua versão aterrorizadora) de imigração ilegal é das questões que mais urge em qualquer país que se debata com este problema. Determinar leis que protejam os imigrantes é, concerteza, fundamental. Ao contrário de todas as políticas, o império da liberdade, o país onde o sonho americano ainda impera, decide construir uma cerca.
O Muro de Berlim foi construído em 1961, não só como símbolo da divisão das duas Alemanhas, mas também como emblema da separação do mundo em dois blocos: Berlim Ocidental (RFA), que era constituído pelos países capitalistas encabeçados pelos Estados Unidos da América, e Berlim Oriental (RDA), constituído pelos países socialistas simpatizantes do regime soviético.
Mais de quatro décadas depois e, por imposição dos mesmos interesses (políticos, leia-se), os EUA continuam a conseguir por e dispor das suas já conhecidas decisões “unilaterais”. A próxima medida será colocar uma rede de caçar baleias na fronteira entre a Florida e Cuba? Não parece.